quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

O FIM DO SONHO (um conto)


A manhã raiou no monte despido, onde só as ervas dançavam ao sabor do vento incerto de Agosto. O sol perdera a sua timidez abrindo-se em raios de luz que inundavam toda a planície. Zé da Benilde aconchegou o seu cajado no ombro e contou o seu rebanho. Estavam todos, eram 37 ovelhas, 6 carneiros e 12 borregos.
Zé da Benilde era guardador de rebanhos desde os 5 anos de idade. Nunca tinha conhecido outro modo de vida. Não sabia ler nem escrever, apenas sabia ouvir e falar. Quando tinha 12 anos, o seu pai morreu e desde aí ficara com a responsabilidade do rebanho, que era o seu sustento e o de sua mãe. Cuidava também de um pedaço de terra junto ao monte, onde cultivava as batatas, hortaliças e tudo o que era necessário para sobreviver.
Zé da Benilde tinha agora 35 anos e toda uma vida dedicada aos seus animais e sabe Deus o quanto lhe custava quando tinha de vendê-las ao negociante que passava por lá, sempre que havia compradores. Conhecia o rebanho um a um, todas as suas manhas e dava-lhes nomes, a Noémia, a Atrevida, a Lanzuda, o Gaiolas ... e por aí fora. Ficava todo o tempo a observar o seu comportamento, o que comiam, o que faziam. 
O cheiro da madrugada transmitia-lhe aquela magia feita encanto, que lhe dava força e alento para o dia, mas o entardecer tornava-o triste: vida lixada esta que levas, pensava Zé da Benilde.
Um dia, uma borboleta, invulgar de tão bela, atraiu-lhe o olhar, por isso seguiu o seu esvoaçar esbelto e cadenciado, contrariamente ao que acontece com a maioria das borboletas que voam de forma atabalhoada. A borboleta escolhia as flores mais belas para pousar, depois levantava vôo, a seguir pousava de novo, e nunca parava.
O pior, é que depois levantou vôo para nunca mais ser vista.
Zé da Benilde parou e pensou. Que teria dado na borboleta? Se tinha ali tantas flores bonitas e atraentes, porque diabo havia de ir para outras paragens? Será que havia flores ainda mais bonitas e que ela tinha ido procurá-las?  Zé olhou o céu, limpou a testa do calor que o fazia transpirar e encolheu os ombros. Sentou-se numa pedra à sombra de um sobreiro, chamou o Jói, o seu fiel companheiro, um rafeiro alentejano que era o seu braço direito nas lides, e enquanto lhe fazia festas na cabeça, sonhava.
Ao entardecer mandou o cão juntar o rebanho e regressou a casa com a sensação que toda aquela imensidão por onde vagueava com os animais era apenas um pouco do mundo e embora se sentisse livre, concluiu que lhe faltava muita coisa para se completar como homem. Precisava voar, conhecer outras gentes, outras coisas, enfim, socializar-se.
Vai daí e o Zé decidiu conhecer a grande cidade onde tudo acontece. Vendeu os animais que lhe renderam bom dinheiro, pagou a uma senhora para cuidar da sua mãe, deixou-lhe o dinheiro suficiente e partiu para a aventura.
Eram deslumbrantes as cores néon, gente a circular por todos os lados, cinemas, teatros, espectáculos de todo o género, gente bonita, muita vida, muita alegria. Alugou um quarto na Pensão Vitória, no Poço do Borratém e decidiu gozar a noite de Lisboa. Entusiasmado, foi ao Intendente beber um copo e quando foi pagar, a carteira tinha desaparecido. Ainda pensou: será que me esqueci dela no quarto? Foi o que disse ao senhor do bar enquanto uma menina bonita bebia com ele, esperando que lhe pagasse a bebida. Pouco convencido, o dono do bar chamou o segurança que lhe deu uma surra tão grande que o deixou todo negro e caído no chão da rua.
Sem dinheiro, procurou um emprego, que só encontrou na recolha do lixo. Trabalho duro que lhe deu a conhecer o lado pior que a cidade pode ter. Marginal e miserável. Pessoas que tentavam obter alimentos nos restos que os outros jogavam fora, drogados e marginais que circulavam na escuridão e toda a podridão de uma sociedade decadente que caminhava para o abismo.
Uma noite foi com alguns colegas do lixo ao Salsa Latina e acabou envolvido no assalto a uma caixa multibanco. A polícia, que se encontrava nas imediações, foi avisada e todo o grupo foi preso.
Levado para os calabouços da polícia é reconhecido por uma prostituta adolescente, como sendo um violador de menores. O violador do Jamor! Incrédulo e completamente desorientado, Zé da Benilde não teve garras para se defender de tanta confusão gerada à sua volta. Lembrou-se da borboleta insatisfeita e da vida feliz que tivera. As suas ovelhas, o seu cão Jói. Afinal os melhores amigos que sempre tivera e que abandonara a troco de uns míseros euros para correr atrás de um sonho utópico.
Foi num dia de Outono que apareceu pendurado na sua cela, enforcado!
No entanto, há quem fale em homicídio, porque, diziam, a ética entre os prisioneiros não admite violações a menores.
Vá-se lá saber onde mora a verdade!
Será que a verdade interessa à justiça desta sociedade?


C.N. 2010

NO MEU TEMPO

No meu tempo, o casamento era fruto do amor entre duas pessoas de sexos diferentes. Agora deixou de ser. Acabo de saber que o amor não existe apenas entre um homem e uma mulher. Esta geração descobriu que o conceito de amor é muito mais lato. Existe também entre dois homens ou entre duas mulheres. Então toca de arranjar meios legais, apadrinhados pelo nosso presidente, para que um homem possa casar com outro homem e uma mulher possa casar com outra mulher.

Na natureza as fêmeas acasalam com os machos, salvo nos casos de hermafroditismo. Agora provou-se que a natureza nem sempre tem razão.

Mas esta geração impõe um limite: embora considere o amor como um conceito muito mais abrangente que a geração anterior, só pode acontecer entre seres humanos. Quem pense que pode casar com o cão ou com o gato (ou com o burro), tire daí a ideia. Ainda que goste mais do animal do que de qualquer ser humano.

Como o Estado constitucionalmente se considera ateu, há que contemplar também na lei o casamento polígamo, já que, "Na sua origem, o ser humano é polígamo", conforme confirma a famosa sexóloga Erika Morbeck, bem como o casamento grupal. O respeito pela liberdade de pensamento impõe, igualmente, a sua legalização.

No meu tempo, os rapazes apaixonavam-se pelas raparigas e sonhavam com o dia em que se uniam pelo matrimónio. Era o dia mais feliz das suas vidas. Concretizavam, assim, o sonho de uma vida e nascia o fruto do amor que dedicavam um ao outro: os filhos.

No meu tempo …

Ai que saudades desse tempo!

C.Nobre [8/JUN/2010]

O FUTURO DO PENSAMENTO ECONÓMICO

Todos os diagnósticos económicos actuais encontram-se padronizados pelo pensamento económico neoclássico. Existe claramente uma tendência para uniformizar o pensamento económico, tornando-o desinteressante, o que pode colocar em causa a existência da Economia como disciplina autónoma, substituindo-a por outros ramos da ciência.

São notórios os avanços nas ciências do conhecimento humano e assustadores os avanços tecnológicos, alterando os comportamentos sociais, enquanto que as teorias económicas passaram mais ao domínio da literatura do que à ciência.

A necessidade de interligar a economia com outras áreas tem vindo a ser incentivada na atribuição de alguns prémios Nobel, nomeadamente, em 1991 a Ronald Coase, cujo trabalho se situou entre a Economia e o Direito, em 1992 a Gary Becker, premiando o desenvolvimento no campo da análise dos mais variados aspectos do comportamento humano, em 1993 a Robert Fogel, no campo da História Económica e principalmente em 1988 ao ser laureado o indiano Amartya Sen, pelas suas contribuições para a economia do bem estar (1), situando o prémio no limite entre a Economia e a Filosofia.

A análise empírica, o desenvolvimento da economia experimental e a aliança com outras ciências sociais, trarão certamente novos contributos para o bem estar dos povos, descapitalizando o que é humano e humanizando o capital. Ou não fosse esse o objectivo da economia: a satisfação das necessidades humanas através da distribuição equilibrada dos bens produzidos, tendo em conta a realidade dos povos e das suas culturas.

C.Nobre (2000)

(1) Para medir o desenvolvimento de uma economia é imperioso levar em conta, para além dos indicadores tradicionais, o Índice de Desenvolvimento Humano e o Índice de Pobreza Humana.