sábado, 11 de agosto de 2012

Citações de José de Almada Negreiros (1893-1970), um dos maiores vultos da cultura portuguesa do século XX, numa entrevista concedida à RTP em 1968, conduzida pelo jornalista Manuel Varela


 

Citações de José de Almada Negreiros (1893-1970), um dos maiores vultos da cultura portuguesa do século XX, numa entrevista concedida à RTP em 1968, conduzida pelo jornalista Manuel Varela

 

Grande amigo de Fernando Pessoa (morreu no mesmo quarto que este no hospital S.Luís dos Franceses) e de Amadeu de Souza-Cardoso, Almada Negreiros foi um ilustre escritor (romancista, ensaísta, poeta, dramaturgo), pintor, sendo a figura central da primeira geração de modernistas portugueses.

As palavras de Almada Negreiros na referida entrevista são um tratado de filosofia delicioso, por isso aqui estão alguns excertos textuais:

 

Quando eu era muito pequeno tinha uma habilidade diabólica: fazer retratos em desenhos de gente parecida com as pessoas. E aquilo satisfazia unânimemente toda a gente. Eu próprio comecei a sentir uma importância em mim e a fixar-me nessa habilidade que tinha. Claro que essa habilidade, como comecei por dizer, era diabólica e não tinha por onde se lhe pegar. Era sómente ela e não eu. De modo que, quando comecei a dar mais importância aos traços, aconteceu-me o seguinte: é que eu fazia as primeiras linhas e já não fazia as segundas. Eu ficava diante das primeiras linhas como um peru, a quem se traça um traço no meio do chão e ele já não passa para o lado de lá

 

Quando morreu o Fernando Pessoa, fui eu que mandei para os jornais a notícia seguinte: Fernando Pessoa escreveu uma crítica de arte sobre uma exposição de Almada Negreiros, em que tinha esta frase: Almada não é um génio manifesta-se em não se manifestar. O que aconteceu foi o seguinte, toda a gente vinha sentimentalmente como meu amigo dizer-me: vês, ainda agora morreu Fernando Pessoa e já se estão a meter contigo! Eu respondia: Fui eu que pôs a notícia nos jornais, fui eu!

 

O primeiro número do Orpheu tinha frisos do desenhador Almada Negreiros. Fizeram-me ver que aquilo era insinuado, porque o desenhador não era nenhum título nobre, segundo eles. Quem pôs a palavra desenhador fui eu.

 

Ainda hoje estou subjugado pela palavra teatro, mas expliquei-me a mim mesmo do que se tratava. Não é o teatro que me interessa, não é a pintura que me interessa, não é a escultura, não é nenhuma forma de arte, o que me interessa a mim é o espetáculo. Espetáculo quer dizer ver, o espetáculo pode estar onde quiserem, mas que esteja e seja visto.

 

Quando o caso Fernando Pessoa fôr um caso particular, não interessa a ninguém. Nenhum caso de artista é um caso particular. É um caso de toda a gente. Mas isto é tão incompreensível, que num jornal da tarde português eu leio uma correspondência assinada por um poeta portugês que eu admiro, sei que é professor na universidade de Viscosin. Faz um texto sobre poesia onde vem esta frase: Depois da morte de Fernando Pessoa o movimento do orpheu ficou acéfalo. Confesso que foi dos maiores choques que tenho recebido na minha vida. Mas durou meio minuto, só.

 

Tudo isto começa pelo Ecce Homo, pela relação das dimensões e eu não conheço mais nada que as dimensões e não quero conhecer dos painéis (de S.Vincente) nada mais do que as dimensões de cada um deles. Mais nada! Ignoro francamente. Não me interessa nunca o histórico para nada. Eu sou anti-histórico. Nasci aqui de mulher e de homem.








domingo, 8 de julho de 2012

FILMES A NÃO PERDER: INCENDIES - A MULHER QUE CANTA


INCENDIES – A MULHER QUE CANTA, é um filme necessário não só para quem gosta de cinema, mas também para quem se interessa pelo mundo à nossa volta. É necessário porque reflete uma realidade sem subterfúgios, nem falsos romances. É um hino à perseverança na luta, quer pela vida, quer pelos ideais. Revela a brutalidade do ser humano no palco de guerra e denuncia uma sociedade violenta onde os direitos mais elementares do homem são pura ficção. Essa sociedade existe na maioria dos países do Médio Oriente.
Embora os motivos apontados sejam suficientes para suscitar algum interesse no filme, há que acrescentar que é uma superprodução do Canadá, em parceria com a França, e que no aspecto técnico é de enaltecer a excelente fotografia. A história e o argumento prendem o espetador, bem como a performance dos atores. Um dos melhores filmes estreados em Portugal em 2011 e como dizem os jovens, é ‘brutal’.


segunda-feira, 21 de maio de 2012

Final da Taça de Portugal 2012

A final da taça de Portugal é todos os anos uma festa que junta no parque do Jamor famílias e amigos, quer dos dois clubes que a disputam, quer de adeptos de outros clubes que não estão envolvidos na contenda. Utilizando o pretexto dum jogo de futebol, as pessoas convivem num megapiquenique em que o futebol, muitas vezes, passa para plano secundário.
No entanto, existe sempre a rivalidade, o jogo acontece e as duas equipas em campo lutam por honrarem o seu clube e levarem esse troféu tão apetecido.

Este ano, as equipas que disputaram a final foram, a velhinha Académica de Coimbra, cujo último troféu que ganhou já faz 73 anos (terá sido em 1939) e o Sporting Clube de Portugal, equipa de primeiro plano do futebol português.

O resultado final foi 1-0 para Académica, que conquistou a taça, o que proporcionou grande alegria às gentes de Coimbra, que comemoraram até de manhã o feito histórico.
No entanto houve uma imagem que me marcou: numa faixa exibida por um adepto do Sporting Clube de Portugal lia-se (a RTP deu um grande plano, como lhe competia) a seguinte mensagem: LIBERTA O LAMPIÃO QUE EXISTE EM TI!

Será que o Benfica também jogou? Dá que pensar, não é?

FILMES A NÃO PERDER

“Amigos Improváveis”, para além de ser um dos melhores filmes do ano 2011, é também um hino à amizade. É uma história verdadeira cujos protagonistas ainda se encontram vivos. Este filme espanta ainda mais quando a cor da pele é tida como uma banalidade, como se não existisse. Estamos a falar dum filme europeu, francês, certamente uma cultura diferente dos filmes americanos.
Tudo isto para dizer a quem gosta de bom cinema, que este é um filme improvável e inesquecível. Só não teve direito aos grandes prémios por não ser americano e também porque a amizade não contém nada de inovador.

quarta-feira, 25 de abril de 2012

MIGUEL PORTAS

Ontem, dia 24 de Abril de 2012, fui surpreendido com a notícia da morte de Miguel Portas.
O conceito actual do político é o pior de sempre. Miguel Portas, para além de ser também político, nunca foi matreiro ou hábil, como aqueles que conhecemos, que hoje dizem o contrário do dia seguinte. Também não era o género de político que não aplicava a si próprio as ideias que passava aos outros. Lutou contra os privilégios excessivos dos eurodeputados, prescindiu das mordomias que achava excessivas, entre tantos exemplos de coerência que deu.
Defendeu as causas dos pobres e dos desfavorecidos, precisamente o que este (des)governo tem vindo a destruir e que levou anos a alcançar: o direito de todos à saúde, à educação e a viver com dignidade, enfim o direito de toda a gente ser pessoa.
Morreu um homem bom, com valor e um político exemplar.
Morreu um homem ‘orgulhosamente’ de esquerda, precisamente no dia 24 de Abril, quando fazia 54 anos em 1 de Maio.
Nada é para sempre, tudo o que nasce, morre. Até mesmo as coisas, as troikas, o capitalismo impiedoso e anti-social. Eu acredito e sei que tu também.
Adeus para sempre camarada e obrigado pela luta que travaste e que vai continuar.

segunda-feira, 9 de abril de 2012


«Privatize-se tudo, privatize-se o mar e o céu, privatize-se a água e o ar, privatize-se a justiça e a lei, privatize-se a nuvem que passa, privatize-se o sonho, sobretudo se for diurno e de olhos abertos. E finalmente, para florão e remate de tanto privatizar, privatizem-se os Estados, entregue-se por uma vez a exploração deles a empresas privadas, mediante concurso internacional. Aí se encontra a salvação do mundo... e, já agora, privatize-se também a puta que os pariu a todos.»

José Saramago - Cadernos de Lanzarote - Diário III - pag. 148

quinta-feira, 22 de março de 2012


VOAR VOAR

Estar perdido no tempo
Na dimensão, nos espaços
Onde a virtude é o alento
De sentir os seus passos

Devagar, de mansinho
Até à prisão feita de algemas
Descobre-o no seu ninho
Feito de espinhos e poemas

Dá-lhe asas feiticeira
Deixa-o voar, voar

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Filmes de 2011 a não perder:

- Os Descendentes (The Descendants) de Alexander Payne, é um filme divertido e sério ao mesmo tempo. O argumento está muito bem construído e a história aborda vários problemas sociais pertinentes e atuais, tais como o conflito de gerações e a infidelidade. Clooney desempenha um personagem que, embora não seja um papel espetacular, não deixa de ser sóbrio e convincente.
Obteve 5 nomeações aos Óscares, entre as quais a de Melhor Filme.

- 50/50 de Jonathan Levine, um dos melhores filmes do ano e que passou quase despercebido. Inspirado numa história recente e real, vivida pelo argumentista, está excelentemente bem interpretado e prende o espectador do princípio ao fim.
Quando tudo se desmorona na vida dum jovem de 27 anos a quem lhe é diagnosticado um cancro raro, que lhe dá 50% de possibilidades de sobrevivência, prevalece a amizade e o valor família.
Obteve 2 nomeações aos Globos de Ouro: Melhor Filme e Melhor Actor (Joseph Gordon-Levitt).

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Qual é o teu valor de mercado, mãe?

Desculpa escrever-te uma pequena carta, mas estou tão confuso que pensei que escrevendo me explicava melhor.

Vi ontem na televisão um senhor de cabelos brancos, julgo que se chama Catroga, a explicar que vai ter um ordenado de 639 mil euros por ano na EDP, aquela empresa que dava muito dinheiro ao Estado e que o governo ofereceu aos chineses.

Pus-me a fazer contas e percebi que o senhor vai ganhar 1750 euros por dia. E depois ouvi o que ele disse na televisão. Vai ganhar muito dinheiro porque tem o seu valor de mercado, tal como o Cristiano Ronaldo. Foi então que fiquei a pensar. Qual é o teu valor de mercado, mãe?

Tu acordas todos os dias por volta das seis e meia da manhã, antes de saíres de casa ainda preparas os nossos almoços, passas a ferro, arrumas a casa, depois sais para o trabalho e demoras uma hora em transportes, entra e sai do comboio, entra e sai do autocarro, por fim lá chegas e trabalhas 8 horas, com mais meia hora agora, já é noite quando regressas a casa e fazes o jantar, arrumas a casa e ainda fazes mil e uma coisas até te deitares quando já eu estou há muito tempo a dormir.

O teu ordenado mensal, contaste-me tu, é pouco mais de metade do que aquele senhor de cabelos brancos ganha num só dia. Afinal mãe qual é o teu valor de mercado? E qual é o valor de mercado do avozinho? Começou a trabalhar com catorze anos, trabalhou quase sessenta anos e tem uma reforma de quinhentos euros, muito boa, diz ele, se comparada com a da maioria dos portugueses. Qual é o valor de mercado do avô, mãe? E qual é o valor de mercado desses portugueses todos que ainda recebem menos que o avô? Qual é o valor de mercado da vizinha do andar de cima que trabalha numa empresa de limpezas?

Ontem à tardinha ela estava a conversar com a vizinha do terceiro esquerdo e dizia que tem dias de trabalhar catorze horas, que não almoça por falta de tempo, que costumava comer um iogurte no autocarro mas que desde que o motorista lhe disse que era proibido comer nos transportes públicos se habituou a deixar de almoçar. Hábitos!

Qual é o valor de mercado da vizinha, mãe? E a minha prima Ana que depois de ter feito o mestrado trabalha naquilo dos telefones, o "call center", enquanto vai preparando o doutoramento? Ela deve ter um enorme valor de mercado! E o senhor Luís da mercearia que abre a loja muito cedo e está lá o dia todo até ser bem de noite, trabalha aos fins de semana e diz ele que paga mais impostos que os bancos?

Que enorme valor de mercado deve ter! O primo Zé que está desempregado, depois da empresa onde trabalhava há muitos anos ter encerrado, deve ter um valor de mercado enorme! Só não percebo como é que com tanto valor de mercado vocês todos trabalham tanto e recebem tão pouco! Também não entendo lá muito bem - mas é normal, sou criança - o que é isso do valor de mercado que dá milhões ao senhor de cabelos brancos e dá miséria, muito trabalho e sofrimento a quase todas as pessoas que eu conheço!

Foi por isso que te escrevi, mãe. Assim, a pôr as letrinhas num papel, pensava eu que me entendia melhor, mas até agora ainda estou cheio de dúvidas. Afinal, mãe, qual o teu valor de mercado? E o meu?"

Artigo de Francisco Queirós publicado no Diário As Beiras.

http://www.asbeiras.pt/2012/01/qual-e-o-teu-valor-de-mercado/

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012


O Fio da Vida

Já madruguei nos teus braços
Toquei-te a boca num beijo sem fim

Já foste minha nesse sonho que acabou
Já foste a luz que agora o tempo apagou

E se essa luz me afagava
De cada vez que passavas por mim

Agora queima-se o pavio deste amor
Fecha-se a porta pra tentar fugir à dor

É só poeira

Da caminhada que eu já fiz
Vou-me afastando
Do sonho aonde fui feliz
Ando perdido
Como um amante sem lugar
A vida acaba mesmo sem antes começar
aqui

Eram os teus lépidos olhos
Que davam corda ao meu coração

Agora encosto-me à saudade de nòs dois
Abro a janela para a luz que vem depois


É só poeira
Da caminhada que eu já fiz
Vou-me afastando
Do sonho aonde eu fui feliz
Ando perdido
Como um amante sem lugar
A vida acaba mesmo sem antes começar
aqui

Poema de Ana Carolina para o albúm de
Rodrigo Leão “A Montanha Mágica”

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

O FIM DO VERÃO


Sinto-me na margem da vida
Que passa como água correndo
Preciso ouvir uma palavra amiga
Solta e livre como asas ao vento

Sinto que o fim se aproxima
Sei que o tempo me falta
Sei que o Verão está a acabar
A seguir as folhas vão cair
E o frio do Inverno vai chegar

CN 9/2011

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Quando eu nasci


Quando eu nasci,
ficou tudo como estava,
Nem homens cortaram veias,
nem o Sol escureceu,
nem houve Estrelas a mais...
Somente,
esquecida das dores,
a minha Mãe sorriu e agradeceu.

Quando eu nasci,
não houve nada de novo
senão eu.

As nuvens não se espantaram,
não enlouqueceu ninguém...

P'ra que o dia fosse enorme,
bastava
toda a ternura que olhava
nos olhos de minha Mãe...

José Régio

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Filmes a não perder (clássicos do cinema)

Jean de Florette (1ª parte) e Manon das Nascentes (2ª parte) é um épico francês de 1986, realizado por Claude Berri, que rivaliza com os melhores filmes produzidos em Hollywood. A 1ª parte é mais interessante, valoriza o ser humano através da persistência perante a vontade de vencer, enquanto a 2ª parte revela um sentimento mais obscuro: a vingança servida no momento oportuno, como se se tratasse de um acto de justiça ou como se a justiça não fosse um acto de vingança. É uma superprodução, que foge ao padrão noveleiro, mas interessa e entusiasma o espectador até ao fim. Yves Montand, Gérard Dépardieu e particularmente Daniel Auteuil têm papéis dignos de vencer o óscar, que só não aconteceu porque o filme não é americano. No entanto o filme venceu 4 BAFTA, entre os quais o de Melhor Filme e Melhor Actor Secundário (Daniel Auteuil) que é soberbo e inesquecível no papel de Ugolin.

Filmes a não perder (clássicos do cinema)

INHERIT THE WIND (1960) de Stanley Kramer é um filme americano dos anos 60 que nunca foi comercializado em Portugal (talvez porque a igreja católica, na altura, exercia grande influência na censura). É um filme inesquecível e um monumento ao cinema.
Trata dum problema ancestral: a relação entre a religião e a ciência. Na Idade Média o saber estava concentrado na igreja, pois quanto mais inculto fosse o povo mais fácil seria manipulá-lo. Tudo isso está bem patente neste filme em que a ignorância torna os seres humanos menos racionais e por vezes ridículos perante a evidência. De realçar a notável e soberba interpretação do consagrado Spencer Tracy que foi candidato ao óscar de Melhor Actor. Obteve mais 3 nomeações entre as quais a de Melhor Argumento. A riqueza dos diálogos é quase um tratado de literatura. Imperdível.

sexta-feira, 29 de julho de 2011

Liberdade

— Liberdade, que estais no céu...
Rezava o padre-nosso que sabia,
A pedir-te, humildemente,
O pio de cada dia.
Mas a tua bondade omnipotente
Nem me ouvia.

— Liberdade, que estais na terra...
E a minha voz crescia
De emoção.
Mas um silêncio triste sepultava
A fé que ressumava
Da oração.

Até que um dia, corajosamente,
Olhei noutro sentido, e pude, deslumbrado,
Saborear, enfim,
O pão da minha fome.
— Liberdade, que estais em mim,
Santificado seja o vosso nome.

Miguel Torga, in 'Diário XII'

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Olá

O meu amor nasceu com a vida
Cresceu com o rio até à foz
Foi flor do deserto e sobreviveu
Foi fonte de outras vidas

Mas tu meu amor, não sei quem és
Será que tu sabes?

Sabes, amor?
Estás tão perto mas não te conheço
Queria dizer-te “Olá”
E não sei como começar
Será que tu sabes?
CN2011

terça-feira, 26 de julho de 2011

25 de Abril

Esta é a madrugada que eu esperava

O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo
SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN
O nome das coisas

sexta-feira, 1 de julho de 2011

Poética


De manhã escureço
De dia tardo
De tarde anoiteço
De noite ardo.

A oeste a morte
Contra quem vivo
Do sul cativo
O este é meu norte.

Outros que contem
Passo por passo:
Eu morro ontem

Nasço amanhã
Ando onde há espaço:
– Meu tempo é quando.

Vinícius de Moraes

NO MEU TEMPO

No meu tempo, o casamento era fruto do amor entre duas pessoas de sexos diferentes. Agora deixou de ser. Acabo de saber que o amor não existe apenas entre um homem e uma mulher. Esta geração descobriu que o conceito de amor é muito mais lato. Existe também entre dois homens ou entre duas mulheres. Então toca de arranjar meios legais, apadrinhados pelo nosso presidente, para que um homem possa casar com outro homem e uma mulher possa casar com outra mulher.

Na natureza as fêmeas acasalam com os machos, salvo nos casos de hermafroditismo. Agora provou-se que a natureza nem sempre tem razão.

Mas esta geração impõe um limite: embora considere o amor como um conceito muito mais abrangente que a geração anterior, só pode acontecer entre seres humanos. Quem pense que pode casar com o cão ou com o gato (ou com o burro), tire daí a ideia. Ainda que goste mais do animal do que de qualquer ser humano.

Como o Estado constitucionalmente se considera ateu, há que contemplar também na lei o casamento polígamo, já que, "Na sua origem, o ser humano é polígamo", conforme confirma a famosa sexóloga Erika Morbeck, bem como o casamento grupal. O respeito pela liberdade de pensamento impõe, igualmente, a sua legalização.

No meu tempo, os rapazes apaixonavam-se pelas raparigas e sonhavam com o dia em que se uniam pelo matrimónio. Era o dia mais feliz das suas vidas. Concretizavam, assim, o sonho de uma vida e nascia o fruto do amor que dedicavam um ao outro: os filhos.

No meu tempo …

Ai que saudades desse tempo!

C.Nobre [8/JUN/2010]

O FUTURO DO PENSAMENTO ECONÓMICO

Todos os diagnósticos económicos actuais encontram-se padronizados pelo pensamento económico neoclássico. Existe claramente uma tendência para uniformizar o pensamento económico, tornando-o desinteressante, o que pode colocar em causa a existência da Economia como disciplina autónoma, substituindo-a por outros ramos da ciência.

São notórios os avanços nas ciências do conhecimento humano e assustadores os avanços tecnológicos, alterando os comportamentos sociais, enquanto que as teorias económicas passaram mais ao domínio da literatura do que à ciência.

A necessidade de interligar a economia com outras áreas tem vindo a ser incentivada na atribuição de alguns prémios Nobel, nomeadamente, em 1991 a Ronald Coase, cujo trabalho se situou entre a Economia e o Direito, em 1992 a Gary Becker, premiando o desenvolvimento no campo da análise dos mais variados aspectos do comportamento humano, em 1993 a Robert Fogel, no campo da História Económica e principalmente em 1988 ao ser laureado o indiano Amartya Sen, pelas suas contribuições para a economia do bem estar (1), situando o prémio no limite entre a Economia e a Filosofia.

A análise empírica, o desenvolvimento da economia experimental e a aliança com outras ciências sociais, trarão certamente novos contributos para o bem estar dos povos, descapitalizando o que é humano e humanizando o capital. Ou não fosse esse o objectivo da economia: a satisfação das necessidades humanas através da distribuição equilibrada dos bens produzidos, tendo em conta a realidade dos povos e das suas culturas.

C.Nobre (2000)

(1) Para medir o desenvolvimento de uma economia é imperioso levar em conta, para além dos indicadores tradicionais, o Índice de Desenvolvimento Humano e o Índice de Pobreza Humana.