terça-feira, 30 de novembro de 2010

"... E de novo acredito que nada do que é importante se perde verdadeiramente. Apenas nos iludimos, julgando ser donos das coisas, dos instantes e dos outros. Comigo caminham todos os mortos que amei, todos os amigos que se afastaram, todos os dias felizes que se apagaram. Não perdi nada, apenas a ilusão de que tudo podia ser meu para sempre."
Miguel Sousa Tavares no funeral da mãe, Sophia de Mello Breyner Andresen

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Capela em Santiago do Cacém

Ribeira de Campilhas em Alvalade, junto à ponte romana

DESIDERATA

Vai serenamente por entre a agitação e a pressa e lembra-te da paz que pode haver no silêncio.

Sem seres subserviente, mantém-te tanto quanto possível, em boas relações com todos.

Diz a tua verdade calma e claramente e escuta com atenção os outros, mesmo que menos dotados e ignorantes; também eles têm a sua história.

Evita as pessoas barulhentas e agressivas; são mortificações para o espírito.

Se te comparas com os outros podes tornar-te presunçoso ou melancólico porque haverá sempre pessoas superiores e inferiores a ti.

Apraz-te com as tuas realizações tanto como com os teus planos. Põe todo o interesse na tua carreira ainda que ela seja humilde; é um bem real nos destinos mutáveis do tempo.

Usa de prudência nos teus negócios porque o mundo está cheio de astúcia; mas que isto não te cegue a ponto de não veres virtude onde ela existe; muitas pessoas lutam por altos ideais e em todo o lado a vida está cheia de heroísmo.

Sê fiel a ti mesmo. Sobretudo não simules afeição nem sejas cínico em relação ao amor porque, em face da aridez e do desencanto, ele é perene como a relva.

Toma amavelmente o conselho dos mais idosos, renunciando com graciosidade às ideias da juventude.

Educa a fortaleza de espírito para que te salvaguarde numa inesperada desdita. Mas não te atormentes com fantasias. Muitos receios surgem da fadiga e da solidão.

Para além de uma disciplina salutar, sê gentil contigo mesmo.

Tu és filho do universo e tal como as árvores e as estrelas, tens direito de o habitar. E quer isto seja ou não claro para ti, sem dúvida que o universo é–te disto revelador.

Portanto vive em paz com Deus seja qual for a ideia que d´Ele tiveres. E quaisquer que sejam as tuas lutas e aspirações na ruidosa confusão da vida, conserva-te em paz com a tua alma.

Com toda a sua falsidade, escravidão e sonhos desfeitos o mundo é ainda maravilhoso.

Sê alegre. Luta para seres feliz.

A letra desta música baseia-se num manuscrito de 1692, encontrado em Baltimore, na antiga Igreja de S. Paulo.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

As Mulheres da Minha Geração

É o único tema em que sou radical e intolerante e do qual não escuto argumentações.

As mulheres da minha geração são as melhores e pronto! Hoje têm quarenta e muitos, inclusivé cinquenta e tal, e são belas, muito belas, porém, também serenas, compreensivas, sensatas e sobretudo diabólicamente sedutoras, isto, apesar dos seus incipientes pés-de-galinha ou da afectuosa celulite que molda as suas coxas, mas que as fazem tão humanas, tão reais. Formosamente reais.

Quase todas, hoje, estão casadas ou divorciadas, ou divorciadas e casadas, com a intenção de não se equivocar no segundo intento, que, às vezes é um modo de acercar-se do terceiro e do quarto intento. Que importa?
Outras, ainda que poucas, mantêm um pertinaz celibatarismo, protegendo-o como uma fortaleza sitiada que, de qualquer modo, de vez em quando, abre as suas portas a algum visitante.

Que belas são, por Deus, as mulheres da minha geração!

Nascidas sob a era de Aquário, com a influência da música dos Beatles, de Bob Dylan, de Lou Reed, do melhor cinema de Kubrick e do início do boom latino-americano, são seres excepcionais.

Herdeiras da revolução sexual da década de 60 e das correntes feministas, que entretanto receberam passadas por vários filtros, souberam combinar liberdade com solidariedade, emancipação com paixão, reivindicação com sedução.

Jamais viram no homem um inimigo, apesar de lhe cantarem umas quantas verdades, pois compreenderam que, se emancipar era algo mais do que colocar o homem para limpar casas de banho ou trocar o rolo de papel higiénico quando este trágicamente se acaba, e decidiram pactuar para viver a dois, essa forma de convivência que tanto se critica, porém, que com o tempo, resulta ser a única possível, ou a melhor, ao menos neste mundo e nesta vida.

São maravilhosas e têm estilo, mesmo quando nos fazem sofrer, quando nos enganam ou nos deixam.

Usaram saias indianas aos 18 anos, enfeitaram-se com colares andinos, cobriram-se com suéteres de lã e perderam a sua parecença com Maria, a Virgem, numa noite louca de Sexta-feira ou de Sábado, depois de dançar uma salsa, com algum amigo que lhes falou de Kafka, de Nietzsche ou do cinema de Bergman.

No fundo das suas mochilas havia pacotes de tabaco, livros de Simone de Beauvoir e fitas de Victor Jara, e ao deixar-nos, quando não havia outra saída, dedicavam-nos aquela canção de Héctor Lavoe que é ao mesmo tempo um clássico do jornalismo e do despeito, e que se chama “Teu amor é um jornal de ontem”.

Falaram com paixão de política e quiseram mudar o mundo, beberam rum cubano e aprenderam de cor canções de Silvio Rodriguez e Pablo Milanez. Conheceram os sítios arqueológicos, foram com os seus namorados às praias, dormiram em tendas e deixaram-se picar pelos mosquitos, porque adoravam a liberdade e, sobretudo, juraram amar-nos por toda a vida, algo que, sem dúvida fizeram e que hoje continuam fazendo na sua formosa e sedutora maturidade.
Souberam ser, apesar da sua beleza, rainhas bem educadas, pouco caprichosas ou egoístas.
Deusas com sangue humano.

O tipo de mulher que, quando lhe abrem a porta do carro para que suba, inclina-se sobre o assento e, por sua vez, abre a porta do seu acompanhante por dentro.
A que recebe um amigo que sofre, às quatro da manhã, ainda que seja seu ex-noivo, porque são maravilhosas e têm estilo. Ainda quando nos fazem sofrer, quando nos enganam ou nos deixam, pois o seu sangue não é tão gelado o suficiente para não nos escutar nessa salvadora e última noite, na qual estão dispostas a servir-nos o oitavo uísque e a colocar, pela sexta vez, aquela música do Santana.

Por isso, para os que nascemos entre as décadas de 40 e 60, o dia da mulher é, na verdade, todos os dias do ano, cada um dos dias com as suas noites e amanheceres, que são mais belos, como diz o bolero, quando está você.

Que belas são, por Deus, as mulheres da minha geração!

Escrito por Santiago Gamboa
Tradução livre de Luiz Augusto Michelazzi

NO MEU TEMPO

No meu tempo, o casamento era fruto do amor entre duas pessoas de sexos diferentes. Agora deixou de ser. Acabo de saber que o amor não existe apenas entre um homem e uma mulher. Esta geração descobriu que o conceito de amor é muito mais lato. Existe também entre dois homens ou entre duas mulheres. Então toca de arranjar meios legais, apadrinhados pelo nosso presidente, para que um homem possa casar com outro homem e uma mulher possa casar com outra mulher.

Na natureza as fêmeas acasalam com os machos, salvo nos casos de hermafroditismo. Agora provou-se que a natureza nem sempre tem razão.

Mas esta geração impõe um limite: embora considere o amor como um conceito muito mais abrangente que a geração anterior, só pode acontecer entre seres humanos. Quem pense que pode casar com o cão ou com o gato (ou com o burro), tire daí a ideia. Ainda que goste mais do animal do que de qualquer ser humano.

Como o Estado constitucionalmente se considera ateu, há que contemplar também na lei o casamento polígamo, já que, "Na sua origem, o ser humano é polígamo", conforme confirma a famosa sexóloga Erika Morbeck, bem como o casamento grupal. O respeito pela liberdade de pensamento impõe, igualmente, a sua legalização.

No meu tempo, os rapazes apaixonavam-se pelas raparigas e sonhavam com o dia em que se uniam pelo matrimónio. Era o dia mais feliz das suas vidas. Concretizavam, assim, o sonho de uma vida e nascia o fruto do amor que dedicavam um ao outro: os filhos.

No meu tempo …

Ai que saudades desse tempo!

C.Nobre [8/JUN/2010]

O FUTURO DO PENSAMENTO ECONÓMICO

Todos os diagnósticos económicos actuais encontram-se padronizados pelo pensamento económico neoclássico. Existe claramente uma tendência para uniformizar o pensamento económico, tornando-o desinteressante, o que pode colocar em causa a existência da Economia como disciplina autónoma, substituindo-a por outros ramos da ciência.

São notórios os avanços nas ciências do conhecimento humano e assustadores os avanços tecnológicos, alterando os comportamentos sociais, enquanto que as teorias económicas passaram mais ao domínio da literatura do que à ciência.

A necessidade de interligar a economia com outras áreas tem vindo a ser incentivada na atribuição de alguns prémios Nobel, nomeadamente, em 1991 a Ronald Coase, cujo trabalho se situou entre a Economia e o Direito, em 1992 a Gary Becker, premiando o desenvolvimento no campo da análise dos mais variados aspectos do comportamento humano, em 1993 a Robert Fogel, no campo da História Económica e principalmente em 1988 ao ser laureado o indiano Amartya Sen, pelas suas contribuições para a economia do bem estar (1), situando o prémio no limite entre a Economia e a Filosofia.

A análise empírica, o desenvolvimento da economia experimental e a aliança com outras ciências sociais, trarão certamente novos contributos para o bem estar dos povos, descapitalizando o que é humano e humanizando o capital. Ou não fosse esse o objectivo da economia: a satisfação das necessidades humanas através da distribuição equilibrada dos bens produzidos, tendo em conta a realidade dos povos e das suas culturas.

C.Nobre (2000)

(1) Para medir o desenvolvimento de uma economia é imperioso levar em conta, para além dos indicadores tradicionais, o Índice de Desenvolvimento Humano e o Índice de Pobreza Humana.