quarta-feira, 30 de junho de 2010

Foste para além do mar, num barco que não vi partir.
Sinto o gelo da tua ausência na minha carne e a falta do teu abraço.
Dói-me a solidão e o meu pensamento voa à tua procura
por esta imensidão de areia, céu e mar.

Preciso encontrar-te, meu amor, porque estou perdida.
Dá-me a tua mão e leva-me para lá das ondas deste mar onde me afogo
C.N. Jun/2010

domingo, 27 de junho de 2010

Encontro

A jovem cruzou, olharam-se, ele seguiu-a e disse-lhe qualquer coisa. Pouco depois vejo-os juntos dentro de um daqueles carros eléctricos, que andam por todos os lados. Ela cora e ele sorri. Qualquer deles tem pouco mais de 18 anos.
Venho-me embora. Não quero presenciar os carros pararem e escutar uma voz metálica dizendo:
- Esta corrida terminou. Rápido! Rápido! Outra corrida.

É que o sonho de dois jovens nunca devia terminar!

1971

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Morreu José Saramago

Hoje dia 18 de Junho de 2010 morreu o homem mas a obra é imortal.
Obrigado Saramago!

POEMA À BOCA FECHADA

Não direi:
Que o silêncio me sufoca e amordaça.
Calado estou, calado ficarei,
Pois que a língua que falo é de outra raça.

Palavras consumidas se acumulam,
Se represam, cisterna de águas mortas,
Ácidas mágoas em limos transformadas,
Vaza de fundo em que há raízes tortas.

Não direi:
Que nem sequer o esforço de as dizer merecem,
Palavras que não digam quanto sei
Neste retiro em que me não conhecem.

Nem só lodos se arrastam, nem só lamas,
Nem só animais bóiam, mortos, medos,
Túrgidos frutos em cachos se entrelaçam
No negro poço de onde sobem dedos.

Só direi,
Crispadamente recolhido e mudo,
Que quem se cala quando me calei
Não poderá morrer sem dizer tudo.

(José Saramago In OS POEMAS POSSÍVEIS, Editorial CAMINHO, Lisboa, 1981. (3ª edição):

Filmes a não perder

Aconselho a verem o filme The Last Station (2009) de Michael Hoffman (O Clube do Imperador), que conta com interpretações brilhantes de Christopher Plummer, Helen Mirren e Paul Giamatti, tendo os 2 primeiros sido nomeados, quer para os Óscares, quer para os Globos de Ouro.
Relata os últimos anos da vida do escritor russo Leon Tolstoy, homem de convicções, cuja ideologia política se incompatibilizou com o amor que sempre dedicou à sua Condessa Sofia, com quem foi casado durante 48 anos.

domingo, 13 de junho de 2010

Maneira de bem sonhar

Vive a tua vida. Não sejas vivido por ela. Na verdade e no erro, no gozo e no mal-estar, sê o teu próprio ser. Só poderás fazer isso sonhando, porque a tua vida real, a tua vida humana é aquela que não é tua, mas dos outros. Assim, substituirás o sonho à vida e cuidarás apenas em que sonhes com perfeição. Em todos os teus actos da vida real, desde o de nascer até ao de morrer, tu não ages: és agido; tu não vives: és vivido apenas.
Torna-te, para os outros, uma esfinge absurda. Fecha-te, mas sem bater com a porta, na tua torre de marfim. E a tua torre de marfim és tu próprio.
E se alguém te disser que isto é falso e absurdo, não o acredites. Mas não acredites também no que te digo, porque se não deve acreditar em nada.
F.Pessoa
O Livro do Desassossego

Lívia Rév Chopin Nocturne in E flat major Op 9 No 2

NO MEU TEMPO

No meu tempo, o casamento era fruto do amor entre duas pessoas de sexos diferentes. Agora deixou de ser. Acabo de saber que o amor não existe apenas entre um homem e uma mulher. Esta geração descobriu que o conceito de amor é muito mais lato. Existe também entre dois homens ou entre duas mulheres. Então toca de arranjar meios legais, apadrinhados pelo nosso presidente, para que um homem possa casar com outro homem e uma mulher possa casar com outra mulher.

Na natureza as fêmeas acasalam com os machos, salvo nos casos de hermafroditismo. Agora provou-se que a natureza nem sempre tem razão.

Mas esta geração impõe um limite: embora considere o amor como um conceito muito mais abrangente que a geração anterior, só pode acontecer entre seres humanos. Quem pense que pode casar com o cão ou com o gato (ou com o burro), tire daí a ideia. Ainda que goste mais do animal do que de qualquer ser humano.

Como o Estado constitucionalmente se considera ateu, há que contemplar também na lei o casamento polígamo, já que, "Na sua origem, o ser humano é polígamo", conforme confirma a famosa sexóloga Erika Morbeck, bem como o casamento grupal. O respeito pela liberdade de pensamento impõe, igualmente, a sua legalização.

No meu tempo, os rapazes apaixonavam-se pelas raparigas e sonhavam com o dia em que se uniam pelo matrimónio. Era o dia mais feliz das suas vidas. Concretizavam, assim, o sonho de uma vida e nascia o fruto do amor que dedicavam um ao outro: os filhos.

No meu tempo …

Ai que saudades desse tempo!

C.Nobre [8/JUN/2010]

O FUTURO DO PENSAMENTO ECONÓMICO

Todos os diagnósticos económicos actuais encontram-se padronizados pelo pensamento económico neoclássico. Existe claramente uma tendência para uniformizar o pensamento económico, tornando-o desinteressante, o que pode colocar em causa a existência da Economia como disciplina autónoma, substituindo-a por outros ramos da ciência.

São notórios os avanços nas ciências do conhecimento humano e assustadores os avanços tecnológicos, alterando os comportamentos sociais, enquanto que as teorias económicas passaram mais ao domínio da literatura do que à ciência.

A necessidade de interligar a economia com outras áreas tem vindo a ser incentivada na atribuição de alguns prémios Nobel, nomeadamente, em 1991 a Ronald Coase, cujo trabalho se situou entre a Economia e o Direito, em 1992 a Gary Becker, premiando o desenvolvimento no campo da análise dos mais variados aspectos do comportamento humano, em 1993 a Robert Fogel, no campo da História Económica e principalmente em 1988 ao ser laureado o indiano Amartya Sen, pelas suas contribuições para a economia do bem estar (1), situando o prémio no limite entre a Economia e a Filosofia.

A análise empírica, o desenvolvimento da economia experimental e a aliança com outras ciências sociais, trarão certamente novos contributos para o bem estar dos povos, descapitalizando o que é humano e humanizando o capital. Ou não fosse esse o objectivo da economia: a satisfação das necessidades humanas através da distribuição equilibrada dos bens produzidos, tendo em conta a realidade dos povos e das suas culturas.

C.Nobre (2000)

(1) Para medir o desenvolvimento de uma economia é imperioso levar em conta, para além dos indicadores tradicionais, o Índice de Desenvolvimento Humano e o Índice de Pobreza Humana.